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CRESS Alagoas assina Manifesto Nacional em defesa da política antimanicomial do Poder Judiciário

23/05/2023 às 09h30

Em Manifesto assinado por entidades de todo o país, organizações sinalizam a defesa da Resolução nº 487/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apresenta a necessidade do Poder Judiciário instituir nacionalmente as diretrizes e políticas de atenção à população usuária da rede de saúde mental.

“A Resolução 487 apresentada pelo CNJ corrobora com todo arcabouço teórico-político-social que vem sustentando a lógica antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica. A aprovação da Resolução é um marco histórico para a consolidação mais ampla da Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. No âmbito do judiciário ela vem como tentativa de deixar no passado a prática dos tribunais calcada na interdição de pessoas com sofrimento mental em conflito com a lei, declarando-as incapazes de entender e querer, para enclausurá-las em manicômios judiciários, em nome de uma suposta periculosidade social. Cabe mencionar: enclausuramento sem prazo para terminar, em locais sem qualquer forma de tratamento”, destaca trecho do Manifesto.

O documento assinado pelo CRESS Alagoas, reforça ainda que os apontamentos da Resolução é uma realidade em algumas localidades do país, a partir de programas que acompanham os chamados pacientes judiciários.” As experiências demonstram que atribuir responsabilidade penal ao louco em conflito com a lei de modo a considerá-lo um sujeito de direitos e não objeto de medo social é perfeitamente possível”, explica.

Confira o Manifesto na íntegra

MANIFESTO NACIONAL: “PERIGOSO É O SEU PRECONCEITO! PERIGOSO É QUEM QUER TRANCAR! PERIGOSO É O SEU ÓDIO E AS MENTIRAS QUE DISSEMINA!”; EM DEFESA DA POLÍTICA ANTIMANICOMIAL DO PODER JUDICIÁRIO: A OUSADIA NECESSÁRIA PARA O CUIDADO EM LIBERDADE!

O Fórum Mineiro de Saúde Mental, atual Secretaria Executiva da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA, conclama a todas as instituições, movimentos sociais, associações das lutas antimanicomial, antiproibicionista, antiprisional, e demais entidades que também acreditam em uma sociedade mais igualitária, justa e democrática para que se posicionem na defesa da Resolução nº 487/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em especial frente aos amplos ataques que ela vem sofrendo por parte de entidades da área médica, parlamentares, políticos, empresários ligados ao “mercado da loucura”, entre outros, que têm disseminado informações falsas que objetivam criar pânico, horror e repulsa. São declarações graves, irresponsáveis e maldosas, carregadas de desrespeito com as pessoas em sofrimento mental, e visam, principalmente, desinformar a sociedade, confundindo-a, ao disseminar o medo e o terror. Há aí uma repetição da prática dialógica bolsonarista que atravessou nossa sociedade nos últimos anos, jogando por terra evidências científicas e intervenções territoriais que se mostram eficazes no cuidado em saúde mental.

Portanto, temos o dever de, mais uma vez, pronunciarmos e esclarecer à sociedade o que se segue:
Em 15 de fevereiro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em cumprimento de suas atribuições, publicou a Resolução nº 487. Este documento apresenta, de modo evidente, sua intenção desde o início, manifestando a necessidade do Poder Judiciário instituir, nacionalmente, diretrizes e políticas de atenção à população usuária da rede de saúde mental que, eventualmente, responda perante o sistema de justiça por algum ato considerado ilegal previsto em lei.

A história nos mostra que a lógica manicomial foi efetiva em produzir exclusão e toda forma de violência, transformando a loucura em objeto a ser apartado da lógica social. As instituições advindas deste modo de fazer com a loucura foram responsáveis pelo sequestro e mortificação de centenas de milhares de pessoas que, após a Reforma Psiquiátrica, conseguiram se libertar ao serem inseridas em dispositivos de cuidado humanizado no território. Casos em que antes o destino era o enclausuramento perpétuo por sua condição de sofrimento mental, encontraram na cidade novos modos de enlaçamento com a vida, novas formas de ser e estar no mundo.

Neste sentido, a Resolução 487 apresentada pelo CNJ corrobora com todo arcabouço teórico-político-social que vem sustentando a lógica antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica. A aprovação da Resolução é um marco histórico para a consolidação mais ampla da Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. No âmbito do judiciário ela vem como tentativa de deixar no passado a prática dos tribunais calcada na interdição de pessoas com sofrimento mental em conflito com a lei, declarando-as incapazes de entender e querer, para enclausurá-las em manicômios judiciários, em nome de uma suposta periculosidade social. Cabe mencionar: enclausuramento sem prazo para terminar, em locais sem qualquer forma de tratamento. Uma justiça que é incapaz de compreender as particularidades dos pacientes judiciários e entender suas reais necessidades, agarrando-se a ideias ultrapassadas e preconceituosas de periculosidade, imprevisibilidade, cronicidade, incapacidade e inimputabilidade. O que até então rege as decisões judiciais nos casos em que usuários da saúde mental apresentam algum tipo de conflito com a lei parece passar mais por uma higienização mental da sociedade. Em contrapartida, a Resolução 487 vem orientar os juízes criminais quanto ao fluxo que deve ser construído, considerando que o autor do fato que originou o processo criminal, deve ser inserido ou seguir seu tratamento em saúde mental, conforme orientação de equipes multidisciplinares. Em parte alguma da Resolução 487/2023 sustenta-se a extinção do devido processo legal em detrimento do tratamento em saúde mental.

A Resolução 487 do CNJ já é uma realidade em algumas localidades brasileiras, com programas que acompanham os chamados pacientes judiciários, que seguem prestando contas para a justiça sem perder seu vínculo necessário com o tratamento. As experiências demonstram que atribuir responsabilidade penal ao louco em conflito com a lei de modo a considerá-lo um sujeito de direitos e não objeto de medo social é perfeitamente possível. Em um mutirão realizado pelo PAI-PJ (Programa de Atenção ao Paciente Judiciário) de Minas Gerais, em 2020 havia 116 pacientes internados cumprindo medida de segurança, sendo que todos eles tiveram ordem de desinternação e mais de 100 retornaram ao convívio familiar e comunitário, com suporte das equipes do judiciário mineiro e da rede de atenção psicossocial. A última pesquisa do PAI-PJ aponta para um número de reincidência de aproximadamente 2% dentre os pacientes atendidos.

Um ponto que podemos destacar frente a Resolução 487 do CNJ e as práticas consolidadas no âmbito da saúde mental assentam-se na priorização de intervenções que inicialmente não privem o sujeito de liberdade, principalmente que a grande maioria dos atos cometidos por esta população está longe da gravidade que permeia o imaginário social. Quando falamos do louco infrator, aparentemente, abrimos os porões imemoriais da cultura, que na tentativa de regular o mal comportamento das crianças, evocava figuras temidas e fantasiosas, quase sempre associadas aos loucos de todo gênero. Porém, quando acompanhamos os casos que a Resolução 487 do CNJ tenta garantir o direito de responder dignamente por seu ato, encontramos outra realidade, apartada da presunção de periculosidade que recai sobre a loucura. Distante da realidade do Manicômio Judiciário que segue sendo modelo a ser combatido, considerando os efeitos que esta instituição produz sobre o sujeito.

A Resolução 487 do CNJ corrobora com a realidade que a Lei 10.216/01 desvelou, considerando que podemos dispensar dispositivos que apenas segregam e não tratam o mal-estar da vida em comunidade. Assim como a prisão não está no centro das soluções que concernem às questões que tocam a segurança pública, o hospital psiquiátrico também não foi a resposta mais adequada para as questões da saúde mental. Neste sentido seguimos construindo uma série de dispositivos que dialogam entre si, consolidando respostas mais complexas e eficazes, considerando que a vida apartada da cidade e dos laços culturais não compõe a resposta que desejamos. Enquanto a exclusão for a medida seguimos atentos e militantes aos interesses de poucos em detrimento de muitos. Trancar nunca foi tratar, assim como aprisionar não faz com que o sujeito produza novas respostas somente pelo fato de ser privado de liberdade. A decadência do hospital psiquiátrico e sua necessária desconstrução desvelam a ineficiência de diversas outras instituições, que deveriam seguir o destino que desejamos: por uma sociedade sem exclusão, sem manicômios e sem discriminação social.

Maio/2023
Fórum Mineiro de Saúde Mental

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